Actos 4, 32-35 ; Sal 117, 2-4.16-18. 22-24 ; 1João 5,1-6 ; João 20,19-31
Um só coração e uma só alma
A imagem de unidade que transparecia nas primeiras
comunidades cristãs, descritas nos Actos dos Apóstolos, faz-nos sonhar e, ao
mesmo tempo, enche-nos de esperança. Só podemos ficar perturbados pela paz e
partilha entre os irmãos (ãs) que tinham aderido à fé e sorrir com a descrição
da sua organização. Todavia, se o autor persiste em evidenciar esta realidade,
é porque para ele O Espírito dO Ressuscitado estava bem presente em acção e
nada podia vir unicamente das suas vontades próprias. Para se poder alcançar
“um só coração e uma só alma” e pôr de lado tudo o que cria a divisão e a
perturbação, é necessário colocar no centro das relações o perdão e a
reconciliação.
No domingo em que festejamos a Divina Misericórdia
recordamos esta realidade que incessantemente impele os homens para o mais íntimo
de si mesmos. A actualidade do mundo apresenta-nos com frequência a triste
constatação de conflitos de todos os géneros, geradores de muitas vítimas
inocentes. Onde estará então o amor de Deus pelos homens, perante toda esta
violência cega que parece nunca terminar? E, se o bem existe como proclamam os
cristãos, como fazê-lo surgir e perdurar? O perigo está em nos comportarmos
como os Apóstolos após a morte de Jesus : em ficar amedrontados, com as portas
aferrolhadas à espera de dias melhores. O Senhor, que conhece a nossa
perturbação, vai porém à frente dos seus e dá-lhes a Sua Paz com abundância
para que se reergam viventes. Tomemos resolutamente o caminho da confiança e da
misericórdia de Cristo: Ele envia-nos para construirmos a comunhão e a
fraternidade pelO Espírito !
QUEM É O VENCEDOR DO MUNDO ? A 1ª epístola de S.João
fala-nos do triunfo da fé sobre o mundo, entendido no seu sentido pejorativo de
“conjunto de todas as forças que nos levam a negar Deus, tal como revelado em
Jesus-Cristo, e a dobrar-nos sobre nós mesmos tornando-nos fonte e finalidade
de tudo, afundando-nos no orgulho e/ou no desespero”. Mas, afinal, o que será a
fé ? O final do capitulo 4 pode ajudar-nos a precisar um seu aspecto fundamental
: “aquele que ama a Deus e ama também o seu irmão”. Neste contexto, a fé é pois
uma fé que se empenha e caminha a par com o amor. Nada tem a ver com o vago
sentimento de confiança ou com a confissão dos lábios esquecida da sua
aplicação prática. Aliás, no comentário à epístola, Sto Agostinho recorda que
os demónios também são capazes de confessar Jesus como “filho de Deus” (Marcos
1, 24 ; Mateus 8, 29). Assim, o que qualifica a fé autêntica é o seu peso de
amor, único critério que nos permite discernir que somos verdadeiramente
(re)nascidos de Deus. As palavras desta epístola podem parecer muito distantes
do nosso doloroso quotidiano. Como
poderá ser “leve” (Mateus 11,30) o duplo mandamento do amor, incluindo os
inimigos, os que nos caluniam, os que nos são indiferentes, esquecendo-nos de
nós próprios, ultrapassando-nos, etc. ? É por isso que Sto Agostinho nos diz :
“onde estiver o amor nada é apertado”. Sobrepondo-se a tudo, pelo nosso
baptismo, tornamo-nos participantes da vitória pascal de Cristo (Romanos 8,
37), de que podemos recolher os frutos. Então, saibamos pedir a Deus o Seu
socorro e bebamos da fonte dos Sacramentos e da Palavra.
“Vem, Senhor, porque o nosso coração não repousa enquanto
está longe de Ti”. Liturgia do Mosteiro Beneditino de Keur Moussa, Senegal,
fundado em 1961