Liturgia Semanal

Inspirado nas Meditações Bíblicas. Irmãs Dominicanas de Taulignan. Supl. Panorama. E. Bayard. Paris.

8 de junho de 2012

ALGUMAS NOTAS SOBRE A ORAÇÃO

1 – A ORAÇÃO NECESSITA “TEMPO”
“Se o desejo de Deus é que eu aceda à gratuitidade, então devo exercer essa mesma gratuitidade e interromper a minha corrente de actividades humanas para poder dar a Deus tempo”. – François Varillon (1905-78), S.J.

2 – A ORAÇÃO IMPLICA “DESEJO DE DEUS”
“Só o desejo leva Deus a descer. Ele só vem aos que lhE pedem para vir; aos que pedem com insistência, com ardor, Ele não pode deixar de descer até eles” – Simone Weil (1909-43). Fillósofa.

3 – ORAÇÕES INTRODUTÓRIAS À “ORAÇÃO”
“Vem Espírito Santo, enche o coração dos teus fiéis e acende em nós o fogo do Teu amor. Envia, Senhor, O Teu Espírito e renovarás e face da terra” – Invocação Litúrgica dO Espírito.


“Meu Senhor e Meu Deus, creio firmemente que estás aqui presente, que me vês, que me ouves, que me amas; adoro-Te com profunda reverência. Peço-Te perdão dos meus pecados e a graça de fazer com fruto este tempo de oração. Minha Mãe Imaculada, S.José meu pai e senhor, Anjo da minha guarda, intercedei por mim”. S. Josemaria Escribá


4 – A ORAÇÃO É UM ACTO DE CONFIANÇA
“Só em Deus descansa a minha alma, só n’Ele está a minha esperança. Ele é o meu refúgio seguro. Ele é a minha fortaleza : jamais serei abalado (…). Ponde sempre n’Ele a vossa confiança, abri-lhE o vosso coração : Ele vos protegerá”. Salmo 62

5 – A ORAÇÃO OBRIGA A “LER E RELER” A SAGRADA ESCRITURA
“Eu quero meditar os Teus mandamentos e prestar atenção aos Teus caminhos.
Hei-de alegrar-me nas Tuas leis ; não esquecerei as Tuas palavras…” – Salmo 119,15-16

6 – A ORAÇÃO REQUER “ESTAR-SE PRESENTE EM SI MESMO”
“Quando quiseres orar, entra no teu quarto mais secreto, fecha a porta e reza em segredo aO Teu Pai que está aí, nesse lugar secreto…” – Mateus 6, 6.

“Quanto mais ocupados e quantas mais actividades e “coisas para fazer” tivermos, maior é a sensação estar vivos. Arriscamo-nos porém a esquecer a arte de nos “ocupar de nós mesmos” e da nossa interioridade essencial para reconhecer quem somos e porque agimos como agimos. Um pouco de lentidão, um pouco de tempo gasto apenas a estar sentado no teu quarto sem nada fazer, só “presente a ti mesmo”, a deixar vir ao de cima as emoções que se sedimentam em Ti, há-de ajudar-te a dar nomes aos sentimentos que experimentas e a recordar a tua memória. Isto ajudar-te-à sobretudo a entrares numa purificação e unificação interiores de que hás-de sair renovado e disponível para as relações quotidianas. A solidão e o silêncio são um tipo de enraizamento, de aprofundamento, em que recebes a força para “seres tu mesmo”, para pensares, para forjares uma palavra que seja tua, e que estará talvez em contraste com aquela que todos te repetem” – Irmão Enzo Bianchi, Comunidade Bose, Itália.

7 – A ORAÇÃO IMPLICA INTIMIDADE
“À Revelação, confidência de Deus ao homem, o homem terá que responder fazendo a Deus confidência do seu ser mais profundo. A oração é pois um coração-a-coração com Deus. Nós falamos-lhE do que é a nossa vida, com os seus desejos, dificuldades, alegrias e angústias. Não se trata de lhE ensinarmos nada, mas apenas de se estar presente numa atitude de verdade, numa atitude filial, ou seja de confidência” – François Varillon (1905-78), S.J.

8 – A ORAÇÃO É “BENÇÃO ” E “LOUVOR”
“Na oração inclino-me mais para o louvor ou para os gemidos ? É importante educar-nos no primado do louvor”. Cardeal Carlo Maria Martini, Jesuíta.

9 – A ORAÇÃO TAMBÉM É PETIÇÃO INSISTENTE, SEM EXIGÊNCIAS
“A petição insistente de alguma coisa a Deus transforma-nos pouco a pouco em pessoas capazes de, por vezes, ultrapassar o que lhE pedimos” Julien Green (1900-98). 

10 – A ORAÇÃO REQUER “DOAÇÃO” E “CONVERSÃO”
“Vamos a Maria para entrarmos no movimento do seu coração que é um perpétuo impulso de abandono e de alegria na presença de Deus”. Padre Christian de Chergé (1937-96). Monge deTibhirine.

“Em nenhuma outra religião o arrependimento tem o significado entendido na tradição cristã (…) Ele é fruto dO Espírito Santo e o traço mais seguro da Sua acção numa alma (…) Não existe outro lugar onde se possa verdadeiramente encontrar ou conhecer Deus, senão na conversão. Anteriormente, Deus era apenas uma palavra, um conceito analógico, algum pressentimento ou vago desejo, um deus de filósofos ou de poetas, mas jamais O Deus que Se revela num amor sem limites”. Dom André (1929-2010).  Monge Cisterciense.

11 – A ORAÇÃO EM STO INÁCIO DE LOYOLA (1491-1556)
“Deus é o motor da minha vida. Ele quer ver-me viver plenamente sem preferir nada a não ser Ele. Tenho que expulsar de mim tudo aquilo que não for d’Ele”.

12 – A ORAÇÃO EM S. FRANCISCO DE SALES (1567-1622)
“Deus é o meu guia. Ele é Senhor da minha vida e eu quero obedecer-lhe como Cristo obedeceu aO Pai”.

13 – A ORAÇÃO DO “ANJO DE PORTUGAL”
“Meu Senhor e Meu Deus, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido…”

14 – ORAR, COM O SENTIMENTO DE SE TER ESQUECIDO O QUE É A ORAÇÃO

A oração é um caminho verdadeiramente pessoal, com muitas etapas, que nunca está terminado porque só se concluí no momento da morte. Convidado a dar testemunho sobre a oração, ao rever os quarenta anos da minha vida monástica, parece-me que a melhor forma de o fazer seja numa abordagem simbólica que permita descobrir algo desta apaixonante aventura que é a oração.
É fácil dizer que a minha oração evoluiu à medida que o rosto de Deus – o rosto do meu Deus – se transformava. Como esquecer, por exemplo, aquele dia, ou melhor, aquela hora em que subitamente compreendi que Deus era Pai, que Deus era meu Pai ? Até aí eu orava a Jesus e, mais precisamente, a Cristo, porque a palavra “Jesus” parecia naquela época demasiado familiar, demasiado íntima. Ora, no que depois descobri ser a luz dO Espírito Santo, eis que eu ousava, arrebatado e estupefacto, chamar a Deus: “Abba ! Pai ! Papá !”. A oração assumia uma forma nova pois brotava do louvor, da acção de graças, no deslumbramento. Agora tinha finalmente a impressão de saber orar porque, sempre e de todos os lados, irrompia aos meus lábios essa palavra bendita : Abba ! Tudo o que aprendera até aí sobre a oração, todos os livros que lera me apontavam agora esta evidência fulgurante : para orar, é suficiente situar-me diante de Deus como criança diante de Seu Pai. Esta atitude surgia-me com toda a simplicidade, ao ponto de me espantar pelo tempo que demorara a chegar a essa prodigiosa descoberta : Deus ama-te como um pai ! Que outra coisa seria possível fazer, então, a não ser avançar neste novo caminho de oração com a confiança de uma criança, de um pequenino, a quem O Espírito Santo revelara estas coisas “escondidas aos sábios e inteligentes” (Lucas11, 21) ? Chega porém o tempo em que a oração deixa de proporcionar uma felicidade inefável, e, pelo contrário, se torna um duro labor : “Eu acredito não haver trabalho mais difícil do que orar a Deus sem desânimo”. Por vezes até é um trabalho aparentemente impossível de tal maneira esse Pai que esteve tão próximo parece desaparecer. O caminho da oração transforma-se então num impasse e somos tentados a abandoná-lo. É a hora da verdade a que ninguém pode escapar porque é necessário descobrir que a oração, primeiro e antes de tudo, é um dom. Durante muito tempo posso ter a impressão de ser senhor da minha oração, de orar como quero, quando quero, o tempo que quero. Mas chega o tempo da aridez, da secura espiritual a que os antigos monges chamavam “acédia” que até provoca por vezes desgosto da oração ! É portanto a hora da escolha ! Mas escolher o quê quando o caminho parece ter-se perdido ? Simplesmente optar por insistir em avançar na fé, sem verdadeiramente saber onde nos vai conduzir esse caminho que estranhamente assume a forma de cruz ; avançar orando, apesar do sentimento de se ter perdido o gosto pela oração !
Continuando nessa via aparentemente sem saída, chega a hora, “e é agora” dizia Jesus (João 4, 23) em que se abre para nós a cisterna sem fundo da oração! A Samaritana não teve dúvidas, ao ir carregar água, que o homem que lhe pediu para beber lhe revela existir no seu coração, faminto de amor e de ternura, uma fonte sempre viva, ainda que submersa sob as areias do pecado. É verdade que o coração pode tornar-se num coração de pedra, fechado à oração. Experiência dolorosa com que nos debatemos mas de que, por vezes, tão difícil é dar-nos conta. Todavia, não se encontra ela presente no que os profetas, em particular Jeremias e Ezequiel, tentaram descrever ? : “Arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ezequiei 36, 26).
O lugar por excelência onde se dá esta operação é o exílio, que pode tomar múltiplas formas, mas é sempre o cadinho onde Deus realiza a Sua obra da purificação. Na história do Povo de Deus, o exílio será sempre a provação suprema necessária para que o Povo descubra O “Deus mais íntimo a nós mesmos que nós próprios”, de que falará mais tarde Sto Agostinho. Descoberta fundamental por abrir finalmente o caminho da oração.
É necessário sem dúvida muito tempo – em qualquer caso eu necessitei anos – para compreender que não temos que forjar a nossa oração, que não temos que fazer grandes esforços para nos tornarmos um homem ou uma mulher de oração ; o esforço está na perseverança ! Trata-se de confiar em Jesus, homem sentado na borda do poço e que nos diz : “Se tu conhecesses o dom de Deus !” (João 4,10). Se nós soubéssemos que, depois do nosso baptismo a oração já aí está, no fundo do coração do baptizado, no fundo desse poço sem fundo que é o coração do baptizado, e que só necessitamos descer em nós para aí descobrirmos, viva e a jorrar, a oração dO Filho, a oração dos filhos que, também eles, podem dizer: “Abba ! Pai !” Aliás, chega o tempo em que as próprias palavras já não têm lugar pois é suficiente permanecer em silêncio, à escuta dO Espírito que geme em nós, convencidos que os gemidos do mundo (Romanos 8, 22) estão apreendidos no grito silencioso dO Espírito. Então a oração encontra a sua plena e misteriosa fecundidade.

J.P. – Tradução livre (com outras fontes) de “Entrer e demeurer dans la Prière” Hors-série da revista Panorama. Ed. Bayard