Isaías 50, 4-7 ; Sal 21. 8-9.17-18a.19-20. 23-24 ;
Filipenses 2, 6-11 ; Mateus 26,14--27, 66
UMA MULTIDÃO NUMEROSA. As leituras deste domingo de Ramos
que inicia a Semana Santa, a grande semana cristã, evocam todas uma singular
caminhada de Cristo com a multidão, símbolo da humanidade inteira,
acompanhando-O na Sua aventura humana com a qual a nossa está indissoluvelmente
ligada. Jesus faz uma entrada em Jerusalém, simultaneamente triunfal e humilde,
semelhante à Sua entrada neste mundo ; a pequena jumenta, diferente dos cavalos
de combate, é disso sinal. Mas haverá aos olhos de Deus outros triunfos que não
sejam fruto da humildade ? “Não tenhas medo deste rei, a Sua humildade é a tua
segurança e a tua felicidade”.
Depois passa-se deste texto triunfal, sem triunfalismo, à
leitura da Paixão. É a mesma caminhada que prossegue pelas ruas da cidade de
Jerusalém como através do tempo dos homens. A humildade deu mais um passo, pois
a jumenta foi enviada de volta, e Cristo continua o Seu caminho a pé. Mas
depressa, como para significar que Ele não caminha na terra na ponta dos pés, e
que a terra deve ficar marcada pelas Suas pegadas para sempre, Ele carregará a
Cruz cujo peso contribuirá para agravar mais o Seu sofrimento moral. Mas vejamos
ainda um pouco a multidão. Até ao fim, até ao Calvário, alguns levarão as
palmas agitando-as e cantando: “Hossana !” Esses serão felizes pois terão ainda
nas mãos e lábios a aclamação para o domingo de Páscoa. Outros terão os rostos
endurecidos, símbolos de corações fechados. Nos carrascos (de todos os tempos)
as palmas transformam-se em chicotes e cordas de flagelação.
No quadro de JESUS A CAMINHO DO CALVÁRIO com a cruz às
costas, Jerónimo Bosch (1450-1516) lança um olhar sem compaixão sobre a pobre
humanidade. O “mau ladrão” (em baixo à direita, com a corda ao pescoço) está
hediondo, deformado pelo mal, como na maioria das representações tradicionais.
Mas aqueles que o insultam bem como o resto da multidão que invectiva Jesus e o
bom ladrão (no alto á direita), são igualmente horrendos. Todos os rostos estão
desfigurados pelo vício, pela irritação, pela violência e bestialidade : os
olhos esbugalhados e as bocas desdentadas, abertas, prontas a morder. Todos são
cúmplices do mal e procura-se em vão Aquele que pode resgatar os outros. Porém,
Ele está lá, no centro deste desgraçado mundo. A paz que emana da Sua face põe
em evidência o ódio que desfigura os outros rostos. Ele,“O mais belo dos filhos
dos homens”(Sal.45,3), cala-Se. Jesus
tem os olhos fechados e ora : no meio da violência, procura a intimidade dO
Pai, oferece já o perdão.
Além de Simão de Cirene (do qual só vemos as mãos na cruz) e
da Verónica que, com o sudário limpou a rosto de Cristo, ninguém cuida d’Aquele
que é o templo dO Espírito. Verónica, que furou a multidão e lhE enxugou rosto,
contempla no linho a imagem de quem veio trazer a todos a salvação e a graça.
